Cerrado em debate

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Mesa redonda discutiu aprimoramento de políticas públicas para a preservação do Cerrado. Autoridades apresentaram estudos e apontaram urgência na adoção de medidas eficazes. Evento ocorreu nesta terça-feira, 17.
A presidente da Comissão de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Casa, deputada Rosângela Rezende (Agir), mediou debate que discutiu estratégias para a prevenção do Cerrado e o combate aos incêndios florestais em Goiás. O evento, alusivo ao Dia do Cerrado, celebrado em 11 de setembro, ocorreu na manhã desta terça-feira, 17, na Sala Júlio da Retífica, da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego). Esse debate integra a campanha educativa em execução pela Assembleia Legislativa que convoca o cidadão goiano a atuar contra as queimadas. A primeira fase dessa campanha foi aberta nesta terça-feira, 17, com palestras itinerantes em uma escola da Capital.

Na composição da mesa, estiveram os seguintes palestrantes: professor Nilson Clementino Ferreira, da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da UFG, e pesquisador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprossamento (Lapig); Marcelo Sales, gerente de Controle de Incêndios da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad);  Zilma Alves, também da Semad; João Carlos Ribas Ramos, representante da Brigada Voluntária Ambiental de Cavalcante; tenente-coronel Warley de Sousa Martins do Corpo de Bombeiros de Goiás; Ana Lúcia Basílio Santos, técnica-pedagógica da Gerência de Programas e Projetos Intersetorias e Socioeducação da Secretaria de Estado da Educação (Seduc); Yara Vanessa Portuguez, gerente de licenciamento ambiental da Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago); e Edna Covem, gerente de Vigiância Ambiental e Saúde do Trabalhador da Superintendência de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (SES).

As deputadas Bia de Lima (PT) e Dra. Zeli (UB) também participaram do evento.

A programação contou com transmissão ao vivo da TV Alego no Youtube e pode ser acessada neste link.

Unidas contra os incêndios

Na fala de abertura, Rosângela Rezende destacou preocupação com a situação atual do bioma. “O número de ocorrências já supera o total de registros de 2023. Temos que preservar nosso Cerrado tão querido e rico para nosso Estado”.

Rosângela disse que a solução para os incêndios vai muito além da atuação dos bombeiros no combate às chamas. “É essencial enfrentar a raiz do problema climático. Para isso, precisamos adotar uma abordagem mais ampla e integrada, que envolva as ações de toda sociedade”.

Bia de Lima também fez uso da palavra e reiterou a necessidade de união entre parlamentares, pesquisadores, brigadistas e voluntários para enfrentar as crises ambientais agravadas pelo clima extremo.

A deputada ressaltou que, a cada ano, o Estado de Goiás enfrenta secas mais severas, enquanto outras regiões do País, como o Rio Grande do Sul, lidam com chuvas intensas. Segundo Bia de Lima, é fundamental que os representantes e a sociedade civil tomem atitudes proativas, evitando a passividade diante da destruição do bioma e dos prejuízos causados pelos incêndios, muitas vezes de origem criminosa.

“Precisamos somar forças e ampliar o número de brigadistas, além de garantir melhores condições para esses profissionais, que recebem um valor irrisório pelo seu trabalho. Não podemos contar apenas com o voluntariado, mas com um planejamento estruturado e apoio das forças armadas, como já foi apontado em discussões recentes”, afirmou a deputada.

Bia  também disse que o maior prejuízo das queimadas não está apenas na esfera econômica, mas na devastação da fauna e flora do Cerrado, que, apesar de sua capacidade de regeneração, sofre impactos cada vez mais graves. Ao concluir, a parlamentar reafirmou a sua disposição em apoiar as ações da comissão e todas as iniciativas que busquem minimizar os danos ao meio ambiente e proteger a vida.

A deputada Dra. Zeli, por fim, se pronunciou e expressou frustração com a falta de eficácia das leis ambientais e a influência do setor financeiro na preservação do meio ambiente. A legisladora observou que os incêndios em Goiás se iniciam nas estradas e rodovias e refletem um problema mais amplo, exacerbado pela falta de responsabilidade de alguns motoristas, especialmente fumantes, que descartam bitucas de cigarro de forma inadequada.

Dra. Zeli lamentou a falta de mudanças significativas nas práticas ambientais desde sua infância e criticou a lentidão na aprovação e implementação de leis mais rígidas. Ela mencionou o projeto de lei de combate aos incêndios aprovado pelo Parlamento e vetado pelo governador por vício de competência privativa da União e enfatizou a necessidade de uma justiça mais eficaz e punições severas para infratores, incluindo aqueles que cometem agressões de diversos tipos.

A deputada também fez um apelo para que se ouça mais os especialistas e brigadistas envolvidos no combate aos incêndios. A parlamentar concluiu pedindo que o conhecimento dos especialistas, como o professor Nilson Clementino, que pesquisa o Cerrado há 30 anos, seja levado em consideração para a defesa e proteção desse bioma vital.

Manejo adequado

O professor Nilson Clementino Ferreira, da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás (UFG), apresentou dados do desmatamento e degradação do Cerrado nos últimos 30 anos. O palestrante, que também é pesquisador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), mostrou estudos que revelam como pastagem degradadas e malcuidadas acabam se tornando, no período de seca, combustível para incêndios florestais.

Clementino defendeu o investimento em manejo adequado para combater a degradação e evitar os incêndios. “Necessitamos de políticas públicas para ocupar melhor essas áreas degradadas, criando reservas de crédito de carbono e unidades de preservação com reflorestamento. Todas as pastagens em Goiás podem ser melhor aproveitadas sem necessidade de desmatamento ou uso de fogo para abrir novas áreas. Essa bolsa de recursos de terra podem ser aproveitadas por pasto e agricultura de alto desempenho e produtividade e 70% delas se encontram em áreas viáveis de recuperação”.

O especialista informou que há uma diferença entre as queimadas, que são eventos de manejo controlado do fogo e regulado pelos órgãos ambientais do Estado, e os incêndios florestais, que são, em sua maioria, fruto de atos criminosos. “Incêndios naturais originados por raios ou por combustão espontânea são raros, a maior parte das ocorrências têm causa antropogênica (provocados por ações humanas)”.

Clementino defendeu a importância do aumento da proteção das áreas de preservação permanente das bacias de captação para evitar o desabastecimento hídrico e de unidades de conservação que guardam nascentes. “Para proteger a vegetação contra os incêndios, é necessário preservar as águas”.

O pesquisador também manifestou preocupação com a saúde e baixa remuneração dos brigadistas. “Há lacuna científica em relação a essa questão, mas já temos indicativos de problemas decorrentes da exposição prolongada à baixa umidade e altas temperaturas”, alertou.

Ações governamentais

O gerente de Controle de Incêndios da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Marcelo Sales, apresentou um panorama das ações governamentais para o combate a incêndios florestais e o manejo preventivo. Sales destacou a criação, em 2023, da Gerência de Gestão, Prevenção e Incêndios e Acidentes Ambientais, que tem atuado diretamente na manutenção de equipamentos e no combate a incêndios nas unidades de conservação do Estado.

O gestor relatou que a secretaria contratou 35 brigadistas para atuar nas 27 unidades de conservação do Estado, com equipes de cinco brigadistas em cada unidade, além de desenvolver planos operativos de prevenção e combate. Marcelo explanou que entre as ações destacadas estão a realização de queimadas controladas, a suspensão dessas queimadas durante períodos de emergência, e a fiscalização de alertas e denúncias de incêndios por meio do sistema de fiscalização da Semad. “A secretaria também tem promovido oficinas e orientações com a população e utilizando inteligência espacial para identificar áreas de maior risco”, explicou.

Sales ressaltou que, desde 2019, a Semad tem reduzido o tempo de resposta aos incêndios e fortalecido parcerias com o Corpo de Bombeiros e outras entidades. No entanto, ele observou uma alta preocupante no número de focos de incêndio em 2024, comparado ao ano anterior, sugerindo um possível aumento dos incêndios criminosos.

“A Semad enfrenta desafios na responsabilização de incêndios ocasionados de forma intencional, devido à dificuldade em identificar os responsáveis. A secretaria está buscando melhorar a legislação para tornar mais eficaz a responsabilização e controle sobre essas ocorrências”.

Marcelo encerrou a apresentação destacando a importância de uma abordagem colaborativa e bem planejada para enfrentar a crise de incêndios e também reiterou o compromisso da Semad em continuar desenvolvendo estratégias eficientes para proteger o meio ambiente e garantir a segurança das unidades de conservação em Goiás.

Remuneração pela preservação

A gerente de Licenciamento de Atividade Agropecuárias e Conversão de Uso do Solo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Zilma Alves, trouxe atualizações referentes ao Pacto pelo Demantamento Ilegal Zero, assinado em 2023. Ela apresentou as novas estratégias inseridas no programa de pagamento de serviços ambientais, que visa a remunerar o produtor que optar por manter o excedente de vegetação nativa de suas propriedades.

Alves informou que a medida foi adotada como forma adequar as políticas à dinâmica de desmatamento do Cerrado em Goiás, que é diferente de outros estados onde o bioma se faz presente. “O desmatamento legal supera o ilegal. Isso é bom, porque permite que as autorizações para a conversão de vegetação sejam feitas conforme a Lei de Regularização de Passivo de 2022, com a garantia de reserva legal adequada e a formação de corredores de preservação e manutenção das Áreas de Preservação Permanente (APPs). Apenas 4,5% de toda a área desmatada foi considerada ilegal”.

A gerente destacou os esforços do Governo Estadual e a manutenção do diálogo com o setor produtivo para a manutenção do Cerrado em pé. “Os imóveis privados possuem percentual grande de vegetação ainda passível de autorização para desmatamento ilegal. O produtor que optar pela preservação poderá receber pagamentos por até 100 hectares de áreas preservadas. O objetivo é atender a maior quantidade de produtores interessados em aderir ao programa”.

Zilma informou que o programa contará com investimento anual de 20 milhões de reais, e a expectativa é de garantir a preservação de 40 mil hectares de área de Cerrado goiano anualmente. “Serão pagos 498 reais por hectare, que pode chegar a 654 reais o hectare em caso de preservação de áreas de nascentes”.

A gerente disse que o piloto do programa será realizado no Nordeste goiano, por ser a região com maior remanescente vegetação nativa do Estado de Goiás. “É uma região onde o desmatamento vem crescendo; por isso, o piloto nos municípios alvos, que são Niquelândia, Minaçu, São João da Aliança, Cavalcante, Monte Alegre, Alvorada do Norte, Damianópolis, Mambaí e São Domingo”.

Alves informou que o edital de participação será lançado ainda neste mês. As inscrições ficarão abertas de dezembro a março, e os pagamentos estão previstos para serem iniciados em junho de 2025. Ela garantiu a existência de orçamento destinado para os pagamentos dos três próximos anos (até 2027) e editais específicos para atender comunidades tradicionais.

Operação Cerrado Vivo

O tenente-coronel Warley de Sousa Martins, do Corpo de Bombeiros de Goiás, destacou a importância da Operação Cerrado Vivo. “Ao contrário da percepção de que a operação ocorre apenas durante a estiagem, a ação vai de janeiro a dezembro, englobando prevenção, preparação e combate a incêndios florestais”.

O tenente explicou que, na fase de prevenção, são realizadas orientações técnicas para proprietários rurais e palestras para jovens de 10 a 16 anos, visando a preparar a comunidade para a fase de combate, que ocorre de julho a dezembro. “Esse período é crítico, com danos ambientais, econômicos e sociais significativos, incluindo perda de maquinários, plantações e vidas”.

Martins mencionou o aumento no número de atendimentos relacionados a doenças respiratórias e a necessidade de um gabinete de crise integrado com vários órgãos estaduais para minimizar danos.

Warley conclui pedindo à comunidade que se conscientize sobre a importância de práticas seguras e legais e reiterou que a colaboração entre fazendeiros, brigadistas e a população é essencial para enfrentar os incêndios de maneira eficaz e minimizar o uso de recursos públicos.

Produtores de água

Na sequência, Yara Vanessa Portuguez, gerente de licenciamento ambiental da Saneago, destacou as contribuições da companhia para a preservação do Cerrado e combate às mudanças climáticas. A gestora também pontuou as estratégias adotadas para garantir o abastecimento durante períodos de crise e escassez. Dentre as iniciativas, ela destacou ações de modulações no sistema para manutenção do abastecimento e intensificação do monitoramento no período de seca para previnir vazamentos e perdas e evitar a escassez; a perfuração de mais poços e captações emergenciais; a locação negociada de água nos comitês de bacias hidrográficas; o uso racional em locais de crise, como Meia Ponte, Rio Verde, Anápolis e Trindade; e a adequação das outorgas.

Dentre os destaques, citou a aplicação de biossólido em operações para a recuperação de solos degradados e na agricultura, medida que integra a política de resíduos sólidos do órgão. “Em 2023, foram aplicadas quase 50 mil toneladas de resíduos provenientes das estações de tratamento de esgoto. Foram beneficiadas oito fazendas, abrangendo uma área de aproximadamente 925 hectares”.

Yara também mencionou a elaboração inventário de Gases de Efeito Estufa para elaboração de parâmetros de controle e redução das emissões; e a necessidade de ações para preservar bacias de captação, que são pequenas em sua maioria. “Falta legislação de proteção, inclusive para áreas já recuperadas que acabam sofrendo com o impacto dos incêndios”.

Por fim, comentou sobre a política de apoio à conservação de mananciais e recuperação de nascentes com reflorestamento e início a produção de agroflorestas. “Temos o Programa Produtor de Águas, que remunera produtores em até R$ 2.100 por ano por nascente preservada e já conta com um milhão de reais em investimentos”.

Demais contribuições

O brigadista João Carlos Ribas Ramos, representante da Brigada Voluntária Ambiental de Cavalcante (Brivac), que surgiu em 2017, durante o maior incêndio da Chapada dos Veadeiros, destacou avanços da iniciativa e cobrou apoio à causa. “Criamos o primeiro Museu do Fogo das Américas em parceria com a iniciativa privada, instituições ambientais e universidades, onde fazemos o trabalho de educação ambiental nas escolas. Nosso foco é a prevenção, porque o combate direto é difícil e envolve riscos à saúde. Graças a esse trabalho preventivo, hoje os incêndios na região estão relativamente controlados. Semana passada tivemos uma ocorrência grave, mas que foi rapidamente debelada pela União”.

A técnica pedagógica da Gerência de Programas e Projetos Intersetorias e Socioeducação da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), Ana Lúcia Basílio Santos, também se pronunciou e contou as diversas ações pedagógicas que a pasta realiza em prol da educação ambiental e da sustentabilidade entre os estudantes do Estado. Entre as iniciativas, foi citado o projeto Seduc Cerrado, lançado em 2021, em comemoração ao Dia da Árvore.

Ana Lúcia relatou que o projeto trabalha ações pedagógicas, com o objetivo de mobilizar, conscientizar e sensibilizar os estudantes da rede estadual sobre as questões relativas à importância do meio ambiente, tendo como foco o bioma Cerrado. “Entre suas principais atividades, destacam-se o plantio de mudas e a realização de festivais de produção textual nas escolas, que geraram um eBook com contribuições dos alunos”, concluiu.

A gerente de Vigiância Ambiental e Saúde do Trabalhador da Superintendência de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (SES), Edna Covem, relatou que, durante os períodos de seca, as doenças respiratórias, tanto crônicas quanto agudas, se tornam mais prevalentes, conforme destacado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Essas condições afetam principalmente a população vulnerável, como crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas, agravadas por nutrição inadequada e condições ambientais adversas”.

Edna explicou que, em resposta a esses desafios, o Sistema de Saúde tem intensificado suas ações. ”A Secretaria de Saúde, em colaboração com o Ministério da Saúde e órgãos municipais, emite alertas quando a qualidade do ar atinge níveis críticos, recomendando medidas como a suspensão de aulas e a implementação de ações preventivas”.

A representante da Saúde pontou que a vigilância da qualidade do ar e a Sala de Situação do Ar estabelecida pelo Ministério da Saúde estão em funcionamento, monitorando continuamente as condições e desenvolvendo planos de ação para enfrentar a crise. ”Essas medidas visam a minimizar o impacto das doenças respiratórias e a garantir uma resposta rápida e eficaz para a população afetada”, finalizou.

Por fim, representante do deputado Antônio Gomide (PT), a assessora Mariana Guimarães destacou as atuações das frentes do Cerrado e da Chapada dos Veadeiros. Ela citou a lei “Goiás sem queimadas”, sancionada em 2022, com o objetivo de conscientização e prevenção do fogo; a realização de audiências públicas e a apresentação de requerimentos voltados a buscar o fortalecimento das brigadas voluntárias.

(Matéria publicada pela Agência Assembleia de Notícias em 17/09/2024)

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